EMERGENTES

O cara abandonou o emprego no setor joalheiro, deu tchau pra mamãe e foi se aventurar por outras paragens. Foi parar na região metropolitana de São Paulo, na casa do pai. Bateu num recrutamento e seleção de um hotel e ganhou uma oportunidade de mensageiro. Ficava plantado, quase que imóvel, uniformizado, na porta, feito um guarda do Palácio de Buckingham. Somente se movia quando era solicitado por algo. O tempo passava; anos. E ele jamais teve curiosidade em saber como funcionavam as coisas por trás do balcão bem ao seu lado. Reclamava de dores nas pernas e na coluna de tanto ficar de pé, horas a fio. Até que levou a primeira tijolada: caiu de cama.
Preocupado com a saúde do filho, o pai, que era amigo de alguém que conhecia fulano que conhecia um cara que conhecia um deputado, conseguiu uma vaga numa repartição para o filho, num daqueles manjados concursos públicos arranjados.
O tempo passava; anos. E o rapaz só carimbando papéis, sentadinho, no bem-bom, sem nunca se importar com o que estava escrito naquele carimbo, que era sempre o mesmo. Não tinha como errar. Mas ele errou. Carimbou um papel errado. A cidadã, dona do papel, foi pra justiça pra não perder o seu imóvel. Foi pra imprensa. Repercutiu. Chegou às mãos do juiz que deu ganho de causa para a cidadã e condenou o Município. A Câmara encaminhou, votou e aprovou uma CPI que encontrou várias irregularidades em mais papéis carimbados indevidamente. O carimbador se ferrou. Foi exonerado do cargo.
Duas tijoladas já eram o bastante pra lhe acordar.
Voltou para o interior, e teve uma daquelas ideias bem joia. Começou a comercializar brincos de tubos folheados. Assumiu a distância dos carimbos e tinha pavor de encostar-se em qualquer porta que fosse. Começou a observar tudo ao seu redor.
O tempo passou; anos. E finalmente, ele é quem emprega algumas pessoas. Atualmente, como empresário, contribui com mais encargos para a caixinha municipal e já anda desfilando pela classe dos declaradores do imposto de renda. Dizem por aí que ele até já anda criando um projeto social antiburocrático que acabe com o uso de carimbos.

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A atividade de joias folheadas, a exemplo de muitas outras atividades, não é um caminho repleto de flores. Principalmente, para quem anda começando. Entretanto, prefiro puxar a sardinha mais para os casos de sucessos. Falar exclusivamente de fracassos atrai maus fluidos e, falar de casos bem-sucedidos da joalharia por aqui é bem mais fácil. Estes, tradicionalmente, são a grande maioria.
É o caso do filho da Dona Vanda... O sujeito me acompanhava já no terceiro ano de hotelaria e vivia numa pindura de dar dó. Separado, pai de dois filhos, já não sabendo mais pra onde correr — ou se esconder. Vivia matando cachorro à grito. Ou como prefere o Martinho da Vila: “...latindo no fundo do quintal pra economizar cachorro”.
Com as dívidas rolando feito uma bola de neve e, com ameaças de processos que o levariam pra trás das grades, ele fez um acordo trabalhista no hotel, investiu as quinquilharias no mercado joalheiro e, foi meio que empurrando com a barriga. Valendo-se de algumas experiências anteriores nas linhas de produção de médios e grandes fabricantes, não perdia as estribeiras quando o seu quadro gráfico despencava atingindo o vermelho. Valendo-se de muitas experiências como colecionador de dívidas, o filho da Dona Vanda batia no fundo do quadro e subia novamente como uma bolinha de ping-pong.
Desde a última vez que o vi, ele andava estabilizado, deslizando suavemente no alto de seu gráfico empreendedor. Não atrasava mais pensão. Não era mais ameaçado pela ex. E estou sabendo que continua não pagando mais as demais contas. Claro!, emergente como se tornou, deixa tudinho nas mãos de seu filho mais velho, portador de canudo em Administração do Programa da Auditoria da Qualidade. Não entendi muito bem o que realmente ele faz, mas foi o pai do neto da Dona Vanda que me disse assim; com todas essas letras aí. Deve ser coisa boa. Porque o neto da Dona Vanda é pra lá de organizado. Com ele no gerenciamento, tá tudinho lá ó; no débito automático.
Minhas saudações para o filho e o neto da Dona Vanda.
Minhas lembranças para ela.