O NOME DELA


No tempo do sucesso: Os Brutos Também Amam apareceu uma estagiária no hotel que fazia um curso extra de cordas. De tanto ouvir falar que de cabelos curtos ela poderia até ser confundida fisicamente com a Adriana Calcanhoto, ela cortou as suas madeixas loiras, empunhou o seu violão, iniciou um curso de aprimoramento de voz e já começou a sonhar em dar um pontapé na hotelaria, que ainda nem bem havia começado, e mandá-la, de vez, pra escanteio.
Algo de infortúnio aconteceu naquele dia em que a Calcanhoto atendeu o PABX e, do outro lado da linha, o cliente pediu:
— Por gentileza, quero falar com Armando Mellani.
A loira, agora de cabelos curtíssimos, perguntou:
— Como é o nome dela?
— O nome dela?? — retrucou o surpreso interlocutor.
— Sim. O nome dela.
— Como assim, o nome dela? Quero falar com Armando Mellani.
— Sim. Mas, se não disser o nome dela, não terei como localizá-la, senhor.
— Por favor, peça para outra pessoa atender esse telefone — impacientou-se o moço.
— Tudo bem. Tudo bem. Não precisa se irritar — finalizou a loira.
Após atender a ligação do seu cliente de brutos baixa-fusão, e dele ouvir o inconveniente na recepção de seu telefonema, o Sr. Armando Mellani dirigiu-se até a Calcanhoto com a finalidade de apresentar-se, no que ela se explicou:
É que eu conhecia o senhor apenas pelo sobrenome e entendi que ele queria falar com “a irmã do Mellani”...


——:——


Sou solidário à Calcanhoto. Haja vista que isso acontece nas melhores famílias.
Dois comerciantes de joias em aço inox tinham um encontro agendado no hotel. O visitante chegou solicitando-me:
— Vim falar com Jacy. Por gentileza, diga-lhe que estou aqui.
Liguei. O interfone mal foi atendido no apartamento e já avisei:
— O Sr. Celso está aguardando a senhora aqui na recepção.
O Sr. Celso levou a mão à testa e lamentou:
— Jacy não é mulher, cara. É homem. Ele vai ficar bravo com você.
Não temi. Não era a primeira vez. Confusão semelhante já me vinha ocorrendo bem anteriormente. A mais antiga que me lembro é a de quando surgiu o Erasmo Carlos cantando em Filho Único: “Ei mãe, não sou mais menino”. Eu jurava pra mim mesmo que o Tremendão tinha virado menina e desabafava, musicalmente, com a mãe dele. Terminando essa mesma música com “E quem tá na chuva tem que se molhar. No início vai ser difícil. Mas depois você vai se acostumar.”, não me deixava qualquer dúvida. Cheguei a imaginar ele e o Roberto tendo um caso, levando em conta que o rei gravara uma canção pra lá de romântica pro Caetano Veloso, onde ele fazia rasgados elogios aos caracóis dos cabelos do baiano que acha “tudo lindo!!” Erasmo, Roberto e Caetano... Pra que essa salada musical toda não terminasse numa descabida suruba na minha quase pura inocência, eu preferia me conformar, pensando: “Artistas são todos assim mesmo!”


——:——


Uma vida inteira é quase o suficiente pra que a gente conheça, e até conviva — na comunidade, no trabalho — com pessoas que optam por pseudônimos. Tornam-se tão naturais certas denominações, que o tempo passa, como as águas de um rio, e jamais vamos saber o nome daquela ou outra pessoa. Veja os pseudônimos de artista e escritores, por exemplo.
No meu círculo de anônimos, conheci vários “Turcos”. Com exceção de um destes, sei o nome verdadeiro dos outros. Estranhamente, o mais próximo de mim, será eternamente “o Turco”. Sei lá. Não tenho coragem de perguntar o nome dele. E se ele chamar-se “Ermengardo” ou “Pirepópole”? Tenho medo.
Tive (tenho) um amigo que é o Badê. É Badê daqui, Badê dali, e não sai disso: Badê.
Num hotel tinha um encarregado de manutenção que era quase xará do Badê. Este era “Baté”. Quando fui admitido, o Baté já era veterano no hotel. Numa noite de Santos X Peñarol, um hóspede nos reclamou que a imagem da TV do seu quarto estava péssima, e ele queria uma qualidade melhor da imagem pra assistir o jogo. Fui até ele pra ver o que eu poderia fazer para ajudá-lo — se fosse o caso, até providenciaria a troca daquele
aparelho por outro. Tudo por uma questão de melhor imagem para satisfazer o santista. Ele estava meio impaciente e replicou:
— Durante o dia eu já havia comunicado sobre este problema e veio um tal Baté aqui e não resolveu nada.
Naquele momento, pensei que me tinha caído a ficha: “O Baté é chamado assim porque ele é de Taubaté...”, pensei.
Que nada. Descobri depois, que o tal Baté era mesmo de Santa Rita do Passa Quatro.