FOGO NO CIRCO


De manhã o telefone do hotel toca e a recepcionista atende. Do outro lado da linha uma mulher solicita:
— Por gentileza, me transfira com o hóspede do apartamento 126.
— O hóspede do apartamento 126 não se encontra senhora. Acabou de sair com a esposa.
— Com quem?
— Com a esposa, senhora.
— Ok... Obrigada... Então, ligarei no celular dele.
Ligou nada. A mulher bateu o telefone e, pela rapidez com que chegou ao hotel, só pode ter vindo de táxi aéreo lá de Bauru, de onde decolou. Entrou pisando alto, numa pilha de nervos, fumando e se identificando como a esposa do hóspede do quarto 126: a primeira, legítima e única — pelo menos, a que deveria ser segundo os seus direitos matrimoniais. No decorrer daquele dia, o assunto não poderia ter sido outro. Eu aderi à maioria que pré-julgou a recepcionista achando que aquela entregada foi proposital. Com um currículo invejável e anos de experiência, diríamos que aquela nossa colega já era uma “macaca velha” e jamais cometeria tamanha gafe se não fosse com a única e maldosa intenção de ver o circo pegar fogo.
A mulher, que veio voando e se remoendo, já chegou de caso pensado: pediu a chave do quarto 126 para esperar no apartamento e fazer uma surpresa ao marido cafajeste quando este chegasse.
Tendo o seu pedido negado pela gerência local, a solicitante, inconformada, foi aguardar no lobby, e, se fosse nestes dias atuais, o hotel levaria uns dois talões de multas da lei antiifumo, por permitir que ela acendesse um cigarro atrás do outro, daquela maneira, em pleno ambiente fechado.
Quando soube do caso, a governanta, que já tinha passado pela mesma dor, veio prestar solidariedade a mais nova integrante do clube.
Conforme se passavam às horas, mais pesado o clima ficava. A atmosfera poluída, embaçada. Um cheiro de tabaco e vingança pairava no ar. E se a infeliz estivesse armada? Pelo tamanho da bolsa que ela carregava, caberia um arsenal ali dentro.
Houve quem não queria perder o desfecho do caso e fez horas extras gratuitas. Após as 14h havia dois turnos de empregados presentes num turno só.
Ao anoitecer, o pulador de cercas chegou. Pra infelicidade da maioria de plantão, ele chegou sozinho. Mas, como?? Todos os dias ele chegava com a outra e, coincidentemente, naquele dia, ele chegou desacompanhado? Que chato! Sabe-se lá, como, alguém o teria avisado. Haveria barraco? Com certeza. Mas, sem o flagra dele com a outra esse luxo perderia um tanto o seu glamour. Ele entrou cabisbaixo, fazendo cara de santo, e fingiu-se surpreso com a presença da esposa:
— Oi amor! Você por aqui?
Ambos entraram no quarto e quebraram o pau. Pelo menos, verbalmente, ele apanhou feio, mas tão feio que deu dó. Apanhou tanto que resolveu fazer o check-in na hora. Juntou seus mostruários e mercadorias folheadas, foram embora e ele nunca mais retornou. Somente a recepcionista, pivô de toda a confusão, é que retornou na manhã seguinte, querendo saber sobre o desenrolar dos fatos. Ficou mais calma ao saber que, entre mortos e feridos, todos de salvaram. E que, além de uma advertência, ela não perderia o emprego. Somente os que perderam foram: a outra que perdeu um amante; a esposa que perdeu a confiança; o traidor que perdeu a outra e; o hotel que perdeu um cliente corporativo, comercialmente fiel e de indiscutível bom caráter.